Depois de 730 dias exaustivos na linha de frente, Tiago Mendes regressou a casa, o coração cheio de esperança e expectativa. Sonhava com o reencontro com a sua adorada filha, Leonor, e com o abraço da sua esposa, Catarina. Mas, ao empurrar o portão de ferro azul enferrujado da sua antiga casa, a realidade que o esperava era um pesadelo inimaginável.
O jardim, outrora vibrante de risos e vida, estava coberto de ervas daninhas, e a sua pequena filha estava encolhida num canto, negligenciada como lixo abandonado. Catarina, vestida com um vestido de noiva imaculado, estava de mãos dadas com outro homem, o rosto iluminado por uma alegria que deveria ser reservada à sua família. A cena partiu o coração de Tiago em mil pedaços, cada um ecoando a dor da traição.
Ao avançar, a multidão que se juntara ficou em silêncio, os olhos arregalados de espanto. As mãos de Tiago, ainda marcadas pelos calos da guerra, cerraram-se em punhos enquanto tentava compreender o cenário à sua frente. A casa, que antes fora um refúgio, agora parecia uma prisão de memórias inescapáveis.
A cada passo em direção à varanda, recordava os risos que outrora enchiam aquelas paredes, as histórias antes de dormir e o calor da sua família. Agora, as janelas estavam fechadas e as cortinas puxadas, como uma barreira entre a vida que conhecera e a realidade cruel que enfrentava. Bateu à porta, mas não houve resposta. O silêncio era ensurdecedor, um lembrete cruel da vida pela qual sacrificara tudo.
Tiago virou-se para a vizinha, uma jovem chamada Inês, que alugava a casa ao lado. Os olhos dela estavam cheios de surpresa e pena quando o reconheceu. “Tiago, és tu?” perguntou, hesitante. “Onde está a Catarina?” exigiu ele, a voz rouca e baixa. A expressão de Inês mudou, e ela mordeu o lábio, olhando em redor como se temesse falar a verdade. “Ela foi-se embora… há mais ou menos um ano e meio,” acabou por admitir. “Deixou a Leonor com a irmã, disse que voltaria, mas ninguém mais a viu.”
O coração de Tiago afundou. Como podia Catarina abandonar a filha? A mente dele fervilhava de perguntas, cada uma mais dolorosa que a anterior. “Por que foi embora?” perguntou, a voz um sopro. Inês abanou a cabeça, os olhos inquietos. “Não sei. Alguns diziam que estava deprimida, outros achavam que andava metida em problemas. Mas ela nunca falou com ninguém.”
O vento frio varreu o jardim, trazendo consigo o aroma salgado do mar próximo. Tiago sentiu o peso do desespero, mas não podia deixar-se dominar. Tinha de encontrar Leonor. Ela precisava dele agora mais do que nunca.
Com a ajuda de Inês, descobriu que a irmã de Catarina, Mafalda, vivia perto. Rapidamente seguiu para o antigo prédio de apartamentos, o coração a bater entre esperança e angústia. Ao chegar à porta, bateu, mas a escuridão lá dentro era palpável. Empurrou a porta e entrou num mundo que lhe parecia estranho e destruído.
Dentro, o apartamento estava em caos — embalagens de bolachas pelo chão, latas de cerveja vazias sobre a mesa, e uma televisão ligada sem imagem. Ao olhar em redor, o coração doeu-lhe ao pensar em Leonor a viver naquelas condições. E então viu-a — encolhida debaixo da mesa de jantar, agarrada a um ursinho de peluche gasto, os olhos arregalados e parados.
“Leonor,” chamou baixinho, ajoelhando-se. Ela não reagiu de imediato, apenas o fitou com uma mistura de confusão e saudade. “Pai?” sussurrou, a voz quase inaudível. “Voltaste por mim?”
“Sim, minha filha, estou aqui,” respondeu, a garganta apertada de emoção. Abriu os braços, e ela rastejou para o seu colo, agarrando-se como se ele fosse a sua salvação. Naquele momento, tudo o mais desapareceu — o caos, a traição, a dor. Eram apenas ele e a sua filha, finalmente reunidos após dois longos anos.
Mas, ao segurá-la, a realidade da situação começou a impor-se. O apartamento era escuro e hostil, um contraste gritante com o calor do lar que imaginara. “Já comeste?” perguntou gentilmente, e ela abanou a cabeça. Sem hesitar, ergueu-a nos braços, o corDepois daquele dia, Tiago e Leonor reconstruíram as suas vidas juntos, descobrindo que o amor mais forte é aquele que resiste mesmo quando tudo parece perdido.