**Capítulo 1: O Peso do Vazio**
O silêncio no escritório de Artur Mendonça, no 72.º andar, era um peso físico. Apertava-o como um cobertor pesado e frio, refletindo o céu de inverno lá fora, visível através das janelas de piso a teto. O escritório, outrora o centro de comando de um império imobiliário que moldara a paisagem de Lisboa, parecia agora um mausoléu. As prateleiras de mogno estavam vazias, as paredes despidas de arte, e as cadeiras de couro—todas exceto uma—já se tinham ido.
Artur, de 72 anos, era um fantasma na própria vida.
Há um ano, Leonor estava ali. Entrava com energia, cheirando a ar fresco e ao perfume caro e discreto que ele lhe comprara em cinquenta Natais. Deixava a velha pasta de couro em cima da mesa que valia milhões, ignorava os protestos dos assistentes e dizia-lhe que ele trabalhava demais.
Há um ano, Leonor morrera. Um aneurisma súbito e absurdo levara-a em menos de doze horas. E, com ela, levara a cor do mundo de Artur.
Agora, ele estava a “perder tudo”, como os jornais anunciavam com frenesim. Mas estavam errados. Ele não estava a perder—estava a dar. A desfazer-se da obra de uma vida. A Torre Mendonça, os empreendimentos residenciais, a coleção de arte e, mais doloroso, a querida casa da família à beira-rio. Estava a apagar-se, porque, sem ela, nada fazia sentido.
“Pai, temos de acabar.”
Artur ergueu a cabeça. O filho, Ricardo, estava junto à mesa, o reflexo uma silhueta impaciente contra o céu cinzento. Ricardo, aos 45, era tudo o que Artur fora outrora: pragmático, implacável, alérgico ao sentimentalismo. Para ele, este processo não era uma tragédia, mas um disparate sentimental, a ruína catastrófica do seu legado.
“O leilão dos ativos corporativos começa às duas”, pressionou Ricardo, batendo com a caneta no tablet. “Os documentos finais só precisam da tua assinatura. Aqui.”
Deslizou uma pilha de papéis pela vastidão vazia da mesa.
Artur pegou na caneta banhada a ouro—um presente de um antigo presidente da câmara, já falecido. A mão, normalmente firme, tremia. Cada assinatura era uma pá de terra sobre um caixão. O seu.
“Isto é um erro, pai”, disse Ricardo, a voz tensa. “Estás a deixar que a dor nuble o teu juízo. Estás a destruir o que construíste—o que nós construímos.”
“O que eu construí, Ricardo”, Artur respondeu, a voz rouca. “É apenas vidro e aço. Não significa nada.”
“Significa tudo!” Ricardo passeou, os sapatos caros silenciosos no tapete. “É o nosso nome. E tu estás a deitá-lo fora porque estás triste.”
Triste. A palavra era um insulto. Era como chamar a um tsunami “um bocadinho de vento”. Artur não estava triste. Estava esvaziado. Era um edifício reduzido à estrutura, à espera do derrube.
Assinou outra página. *Mendonça Propriedades, S.A., Dissolvida*.
“Ela não teria querido isto”, tentou Ricardo, mudando de tática.
“Não te atrevas a dizer-me o que ela teria querido”, Artur cortou, a primeira centelha de calor que sentia em meses. “Não fazes ideia.”
Ricardo encolheu-se, depois endureceu. “Está bem. Faz como quiseres. Mas daqui a uma hora, está feito. Estejas presente ou não, o leilão avançará. É o fim.”
Artur ignorou-o, a mente a vaguear de volta ao hospital. O cheiro a desinfetante. O bip inútil das máquinas. O momento em que as desligaram. O caos. As enfermeiras, os médicos, as chamadas frenéticas. E, no meio de tudo, apercebera-se de que os pertences dela tinham desaparecido. O casaco, a carteira e a velha pasta de arquiteta.
Aquela pasta.
Fora o primeiro presente que lhe dera. Ele era um jovem desenhador, ela a estrela do estúdio rival. Era de couro gasta, marcada, e ela carregara-a durante cinquenta anos, muito depois de poder ter comprado as malas mais finas do mundo. Era ela.
Desaparecera do quarto do hospital. Roubada, presumira. Mais um pequeno furto cruel de um universo que lhe roubara o mundo inteiro. Nunca soubera o que havia lá dentro. Sabia apenas que era a última coisa que a vira tocar.
“Pai. Os papéis.”
Artur olhou para baixo. Faltava uma assinatura. A caneta pousou no papel, o ato final do seu próprio apagamento. Estava prestes a assinar quando o intercomunicador na mesa—uma das poucas coisas que restavam—soou.
Ricardo agarrou-o. “O quê? Disse sem interrupções!”
A voz da antiga assistente, Margarida, ecoou hesitante. “Desculpe, Sr. Mendonça… ambos os Srs. Mendonça. Há… uma criança aqui. Uma menina. Está na receção. Diz que tem algo para o Sr. Mendonça. Diz que… pertenceu à Sra. Mendonça.”
Ricardo soltou um riso cínico. “É uma vigarista. No último dia, os abutres aparecem. Manda-a embora. Chama segurança.”
A mão de Artur, ainda segurando a caneta, congelou. Olhou para o intercomunicador. “Não”, disse.
Ricardo virou-se. “Pai, não sejas ridículo. É um golpe.”
“Manda-a subir, Margarida”, ordenou Artur, a voz baixa mas absoluta. “Agora.”
**Capítulo 2: A Guardiã da Pasta**
A quilómetros dali, num apartamento pequeno de dois quartos em Chelas, Rosa Silva dormia profundamente. Era um sono cansado, de quem trabalhava em dois empregos a tempo inteiro—o turno da noite no Hospital de Santa Maria acabara às seis da manhã, e o da limpeza nos escritórios da Torre Mendonça só começaria dali a quatro horas.
Sonhava, como**Capítulo 5: A Fundação (continuação)**
Artur sorriu, olhando para o horizonte onde a nova ala do hospital começava a ganhar forma, e sussurrou para si mesmo: “Ela ficaria orgulhosa.”