Motociclistas levaram meu filho com deficiência para um parque após outros pais dizerem que atrapalharíamos o dia

6 min de leitura

Há muito tempo, numa terrinha não muito distante, os motoqueiros levaram meus filhos deficientes à Disneylândia depois que outros pais disseram para não irmos, porque iríamos estragar o dia de todos. Os meus meninos, João e Tiago, ambos em cadeiras de rodas, sonhavam há dois anos em visitar o Mundo Mágico.

Dois anos a ver os colegas partilharem fotos e histórias enquanto ficavam em casa. Dois anos a juntar cada cêntimo que podia. Dois anos a planear um único dia perfeito.

Finalmente, tinha dinheiro suficiente. Comprei os bilhetes online, organizei transporte especial, liguei a perguntar sobre a acessibilidade. Disse aos miúdos que iríamos no sábado, 14 de outubro. Eles contaram os dias no calendário, marcando cada um com um grande X vermelho.

O João, de onze anos, com paralisia cerebral, praticava o seu maior sorriso no espelho todas as manhãs. “Quero parecer feliz em todas as fotos, Mãe,” dizia.

O Tiago, de nove anos, com distrofia muscular, fez uma lista de todas as atrações que queria experimentar, mesmo as que sabia que a cadeira não permitia. “Talvez possa só ver os outros a andar nelas,” disse. “Ainda seria divertido.”

Na manhã em que íamos, publiquei no grupo de pais do Facebook. Perguntei se alguém mais iria naquele dia, na esperança de que os meninos fizessem amigos. As respostas destruíram-me.

“Por favor, reconsiderem. As filas já são longas sem cadeiras de rodas as atrasarem.”

“É o aniversário da minha filha lá no sábado. É o dia especial dela, e ver crianças deficientes vai perturbá-la.”

“Talvez devessem ir num dia para necessidades especiais? Não é justo para famílias normais terem de lidar com isso.”

Uma mãe mandou-me mensagem privada: “Não quero ser má, mas o meu filho tem medo de cadeiras de rodas. Podiam ir noutro dia?”

Sentei-me na casa de banho e chorei. Mostrei as mensagens ao meu marido, David. Ele deu um murro na parede do quarto e depois sentou-se na cama, também a chorar.

Como se diz a uma criança que o mundo não a quer num parque de diversões? Como se explica que as suas cadeiras de rodas incomodam outras famílias?

Não lhes dissemos. Mentimos. Dissemos que o parque estava fechado para manutenção. O rosto do João desfez-se. O Tiago apenas acenou e foi para o quarto. Ouvi-o chorar atrás da porta.

Foi então que o David fez algo desesperado. Ligou ao seu velho amigo Rui, do liceu. O Rui agora andava com um clube de motoqueiros.

O tipo de homens que parecem assustadores, mas que angariam dinheiro para hospitais infantis. O David não falava com ele há anos, mas ligou na mesma.

“Preciso de ajuda,” o David disse ao telefone. “Os meus filhos… os outros pais… só queríamos um dia bom.” Eu ouvia a voz do Rui, sem perceber as palavras, mas o David chorou ainda mais. “Obrigado. Muito obrigado.”

Três horas depois, três motas rugiram no nosso quintal.

Três homens enormes, de coletes de couro, desceram das motas. O Rui, que o David não via há dez anos. E outros dois que se apresentaram como Lobo e Marco.

Eram exatamente o tipo de homens que aqueles pais do Facebook evitariam na rua.

O Rui foi direto ao João e ao Tiago, que estavam a olhar pela janela. “Olá, meninos, sou o Rui, amigo do vosso pai. Estes são os meus irmãos, Lobo e Marco. Soubemos que queriam ir ao Mundo Mágico.”

Os olhos do João ficaram enormes. “A mãe disse que está fechado.”

“Bem,” o Rui disse, olhando para mim, “não está fechado. E nós vamos levá-los. Todos nós. Os vossos pais também. E se alguém tiver problema com as vossas cadeiras, vai ter de lidar connosco.”

O Lobo ajoelhou-se ao lado do Tiago. “Sabes o que é fixe nos parques, miúdo? A melhor vista é sempre da altura de uma cadeira de rodas. Vês coisas que os outros miúdos não veem.”

O Marco mostrou uma foto no telemóvel ao João. “Esta é a minha filha Leonor. Também anda de cadeira. Espinha bífida. Vai ao Mundo Mágico todo o mês. Diz que os funcionários lá são fantásticos com os miúdos de rodas.”

“Miúdos de rodas,” o João repetiu, sorrindo pela primeira vez naquele dia. “Gosto disso.”

Carregámos as cadeiras na carrinha. Os três motoqueiros abriram caminho, as motas a roncar como trovões. Em cada sinal vermelho, o Rui virava para trás e fazia sinal de positivo. Os meninos respondiam, sorrindo como se já estivessem numa montanha-russa.

À entrada do parque, sentimos os olhares. Uma família com dois filhos deficientes e três motoqueiros de aspecto rude. Éramos tudo aquilo que os pais do Facebook temiam. O Rui pagou os bilhetes antes que pudéssemos protestar. “É oferta nossa,” disse. “Os vossos meninos merecem o melhor dia de sempre.”

O primeiro teste foi no carrossel. Uma mulher com três filhos olhou para a cadeira do João e disse alto ao marido: “É por isso que devíamos ter ido ao outro parque.” O Lobo ouviu. Aproximou-se devagar, com os seus 1,95m e 120kg. A mulher agarrou nos filhos e recuou.

Mas o Lobo apenas sorriu. “Minha senhora, aquele rapaz na cadeira? Chama-se João. Esperou dois anos para andar neste carrossel. Os seus filhos são lindos. Aposto que adorariam andar ao lado dele. As crianças não veem cadeiras. Veem outras crianças.”

A filha de cinco anos da mulher puxou-lhe a camisa. “Posso andar ao lado dele, mãe? A cadeira dele é verde! O verde é a minha cor preferida!”

E assim, o gelo quebrou-se. A menina andou ao lado do João, a falar sem parar sobre cores. O João estava radiante. No fim, ela abraçou-o. “És o meu novo amigo!” anunciou.

O Tiago queria experimentar os copos giratórios. O operador, um adolescente, pareceu nervoso. “Não sei se cadeiras de rodas podem—”

O Marco interveio. “Rapaz, sou fisioterapeuta. Ajudo-o a entrar em segurança. Tu só tens de ligar a atração.” Era mentira. O Marco era mecânico. Mas levantou o Tiago com delicadeza, como se o tivesse feito mil vezes, e ajudou-o a entrar no copo. O Rui entrou com ele para o segurar.

Ver o Tiago a girar, a rir até chorar, valeu todos os comentários cruéis do Facebook. Todos os olhares julgadores. Todas as barreiras que enfrentámos. Ele era apenas uma criança a divertir-se. Não um diagnóstico. Não uma cadeira. Apenas um menino de nove anos, tonto de tanto rodar.

No almoço, sentámo-nos na praça de alimentação. Os motoqueiros atraíam mais olhares do que as cadeiras. Um segurança aproximou-se. “Senhores, houve queixas—”

“De quê?” o Lobo perguntou calmamente. “Estamos aqui com estas crianças incríveis. Não fizemos nada além de sermos respeitosos.”

O segurança olhou para o João e o Tiago, que usavam as t-shirts combinando do Mundo Mágico que o Rui lhes comprara. Ambos radiantes de felicidade, com ketchup na cara, a contar ao Rui sobre as suas atrações preferidas.

“Esqueça,” disse o segurança. “Bom proveito.”

O momento queO dia terminou com os meus filhos a adormecerem no carro, agarrados aos seus prémios, enquanto os motoqueiros prometiam que esta seria apenas a primeira de muitas aventuras juntos.

Leave a Comment