O milionário chegou mais cedo a casa e quase desmaiou com o que viu. Pedro Almeida nunca se sentira tão perdido como nos últimos meses. O empresário de sucesso que dirigia uma das maiores construtoras de Lisboa descobriu que todo o seu dinheiro não valia de nada quando se tratava de curar o coração partido de uma menina de 3 anos.
Foi então que decidiu sair mais cedo da reunião com os investidores. Algo dentro dele o impulsionava para casa, uma sensação estranha que não conseguia explicar. Ao abrir a porta da cozinha da sua mansão em Cascais, Pedro teve de se apoiar na ombreira para não cair.
A sua filha Beatriz estava nos ombros da empregada, ambas a cantar uma cantiga de embalar enquanto lavavam a loiça juntas. A menina ria de uma forma que ele não via há meses. “Agora esfrega bem aqui em baixo, princesa”, dizia Ana, a empregada, guiando as mãozinhas da criança. “É isso, que menina tão inteligente és.” “Tia Aninha, posso fazer bolinhas com o sabão?”, perguntou Beatriz com uma voz cristalina que Pedro pensara ter perdido para sempre.
O empresário sentiu as pernas tremendo. Desde que Sofia partira vítima de um acidente de carro, Beatriz não pronunciava uma única palavra. Os melhores psicólogos infantis do país asseguravam que era normal, que a menina precisava de tempo para processar a perda. Mas ali, naquela cozinha, ela conversava naturalmente como se nada tivesse acontecido.
Ana notou a sua presença e quase deixou a menina escorregar dos seus ombros. “Senhor Pedro, não esperava que…” começou a explicar-se, claramente nervosa. “Pai!”, gritou Beatriz, mas imediatamente encolheu-se como se tivesse feito algo errado. Pedro correu para o escritório, batendo a porta atrás de si. As mãos tremiam enquanto servia um copo de vinho do Porto.
A cena que acabara de presenciar perturbava-o de uma maneira que não compreendia. Como aquela jovem conseguira em poucos meses o que ele não conseguira fazer? Como a sua própria filha falava com a empregada de uma forma que já não falava com ele?
Na manhã seguinte, Pedro fingiu sair para o trabalho como sempre, mas estacionou o carro a algumas ruas de distância e voltou a pé. Precisava entender o que se passava na sua própria casa. Entrou pela parte de trás e subiu diretamente para o escritório, onde rapidamente instalou algumas câmaras pequenas que comprara no caminho.
Durante toda a semana seguinte, saía do trabalho mais cedo para ver as gravações. O que descobriu deixou-o ainda mais perturbado. Ana Santos, de apenas 24 anos, transformava cada tarefa doméstica num jogo educativo. Conversava com Beatriz sobre tudo, desde as cores da roupa que dobava até aos ingredientes da comida que preparava.
“Olha, princesa, quantas cenouras temos aqui?”, perguntava Ana enquanto cortava os legumes. “Uma, duas, três, cinco”, respondia Beatriz, batendo palmas. “Isso mesmo, és muito inteligente. E sabes por que a cenoura é laranja?” “Não sei, tia Aninha.” “Porque tem uma vitamina especial que faz os nossos olhos ficarem fortes para ver tudo de bonito neste mundo.”
Pedro observava estas cenas com uma mistura de gratidão e ciúme. Gratidão porque a sua filha claramente estava a recuperar. Ciúme porque ele não sabia como criar aquela ligação que parecia tão natural entre as duas.
As gravações também revelaram algo que o inquietava. Dona Maria Fernandes, a governanta que trabalhava na casa há 20 anos, observava Ana com constante desconfiança. A mulher de 62 anos, que ajudara a criar o próprio Pedro quando era criança, claramente desaprovava os métodos da empregada mais jovem.
“Aninha, estás a ultrapassar os limites”, ouviu Pedro dizer a Maria numa das gravações. “Não é o teu papel educar a menina. Contrataram-te para limpar a casa.” “Dona Maria, só estou a tentar ajudar”, respondera Ana com voz suave mas firme. “A Beatriz é uma menina muito especial.” “Especial ou não, não é da tua conta. Faz o teu trabalho e pronto.”
A tensão era palpável mesmo através do ecrã do computador. Pedro percebeu que havia dois mundos diferentes a chocar na sua casa e ele estava no meio de uma guerra silenciosa que nem sabia que existia.
Na quinta-feira dessa semana, recebeu uma chamada que mudaria tudo. Era da diretora do infantário onde Beatriz começara a frequentar recentemente. “Senhor Pedro, tenho uma notícia maravilhosa”, disse a educadora Luísa Martins. “A Beatriz finalmente começou a interagir com as outras crianças. Hoje brincou na casinha com outras três meninas e contou histórias sobre como ajuda a tia Aninha em casa.”
Pedro largou todos os papéis em cima da mesa. “Como assim, educadora?” “Ela disse que aprende a cozinhar, a arrumar as coisas, que a tia Aninha conta histórias sobre princesas que ajudam em casa. É impressionante como a menina mudou. Fizeram algum tratamento novo?” “Não, não exatamente”, balbuciou Pedro. “Bom, seja o que for que estão a fazer, continuem. É um milagre ver a Beatriz assim.”
Pedro cancelou todas as reuniões da tarde e saiu a correr para casa. Chegou exatamente no momento em que Maria repreendia severamente Ana no jardim. “Já te disse para não saíres com a menina sem a minha autorização”, gritava a governanta. “Não tens nenhuma responsabilidade sobre esta criança.” Beatriz agarrava-se às pernas de Ana, chorando. Era a primeira vez em meses que Pedro ouvia a filha expressar emoção de forma tão intensa.
“Não quero que a tia Aninha vá embora”, gritava a menina entre soluços. “Não quero, não quero!” “Beatriz querida, ninguém vai embora”, dizia Ana, acariciando o cabelo loiro da menina. “Calma, meu amor.” “Não devias fazer promessas que não podes cumprir”, disse Maria com dureza. “Senhor Pedro, chegou a tempo de ver como esta rapariga está a manipular a sua filha.”
Pedro ficou parado à entrada do jardim a observar a cena. A sua filha estava a falar, a expressar sentimentos, a defender-se. Depois de meses de silêncio, finalmente estava a reagir ao mundo à sua volta. “O que se passou aqui?”, perguntou ele, tentando manter a voz calma.
“Esta empregada levou a menina a apanhar flores sem pedir autorização”, respondeu Maria imediatamente. “E não é a primeira vez que age por conta própria.”
“Senhor Pedro”, disse Ana ainda segurando Beatriz, “a Beatriz perguntou sobre as flores do jardim e achei que seria educativo mostrar-lhe as diferenças entre elas. Não pensei que…”
“Não pensou, não pensou”, interrompeu Maria. “Não te pagam para pensar, rapariga. Pagam-te para obedecer a ordens.”
Pedro olhou para a filha que continuava agarrada às pernas de Ana e tomou uma decisão que surpreendeu a todos, incluindo a ele mesmo. “Dona Maria, pode deixar-nos sozinhos, por favor?” A governanta ficou visivelmente ofendida, mas obedeceu.
Quando ficaram sozinhos, Pedro ajoelhou-se à altura de Beatriz. “Filha, estás bem?”
“Estou, pai. A tia Aninha ensinou-me que as rosas vermelhas significam amor”, disse Beatriz com os olhos ainda húmidos. “Como o amor que a mamã tinha por nós.”
O coração de Pedro quase parou. Era a primeira vez que Beatriz mencionava a mãe desde o acidente. “E o que mais te ensinou a tia Aninha?”
“Que quando sentimos saudades podemos guardar o amor no coração e partilhá-lo com outras pessoas. Como eu partilho com a tia Aninha e com o pai.”
Pedro olhou para Ana, que tinha os olhos cheios de lágrimas. “Como soubPedro abraçou as duas mulheres que mudaram sua vida e percebeu que a verdadeira riqueza não estava nos seus milhões, mas no amor que agora florescia em sua casa como as rosas que plantaram juntos.