A Valente que Todos Subestimaram — e se Arrependeram Amargamente

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Capítulo 1: A Sombra no Corredor

Inês Mendes tinha aperfeiçoado a arte da invisibilidade no seu décimo primeiro ano na Escola Secundária do Tejo. Movia-se pelos corredores como um fantasma, cabeça baixa, ombros curvados, com uma presença tão discreta que os professores às vezes se esqueciam de marcar a sua presença mesmo quando ela estava sentada na primeira fila. Os seus casacos largos, calças de ganga gastas e o hábito de almoçar sozinha na biblioteca criaram uma armadura de anonimato que a protegia das hierarquias sociais e das crueldades do quotidiano adolescente.

Mas a invisibilidade, Inês tinha aprendido, também era um superpoder.

Do seu lugar nas sombras, ela via tudo. Percebia quais alunos vendiam drogas atrás do pavilhão de ciências, quais professores mostravam favoritismo quase inapropriado e quais dos populares escondiam distúrbios alimentares, problemas familiares ou dificuldades académicas por trás de fachadas bem cuidadas. O mais importante: ela documentava o reinado de terror de Marco “Tanque” Rodrigues, o capitão da equipa de futebol que divertia-se a tornar a vida dos outros ruins.

Tanque era tudo o que Inês não era — um metro e noventa de músculos e arrogância, com um carisma natural que conquistava os adultos e intimidava os colegas. Tinha aprendido cedo que a sua habilidade atlética, a riqueza da família e a força física o protegiam de consequências, permitindo-lhe tratar os mais fracos como diversão pessoal. Os professores ignoravam a sua crueldade porque ele trazia troféus para a escola. Os administradores fechavam os olhos às queixas porque o pai doava generosamente para os programas desportivos. Os outros alunos calavam-se porque desafiar Tanque significava tornar-se o próximo alvo.

Durante três anos, Inês viu Tanque destruir a confiança e a segurança de dezenas de alunos. Empurrou caloiros contra os armários, roubou dinheiro do almoço de quem não podia perder nem um cêntimo e espalhou rumores que levaram mais de um estudante a mudar de escola. Ela guardava um catálogo mental das suas vítimas, dos seus métodos e das falhas da escola que permitiam que o seu comportamento continuasse impune.

O ponto de rutura chegou numa terça-feira de outubro, quando Inês chegou cedo e ouviu gemidos de dor vindo da casa de banho perto do ginásio. Lá dentro, encontrou Tiago Silva, um aluno do décimo ano pequeno e frágil, que usava óculos grossos e parecia sempre à espera de problemas. Tiago estava encolhido no chão, segurando o braço esquerdo contra o peito, com lágrimas de dor e humilhação no rosto.

Tanque estava de pé sobre ele, estalando os nós dos dedos com satisfação. “Na próxima vez, pensas duas vezes antes de esbarrar em mim, Quatro-Olhos.”

“Eu pedi desculpa”, sussurrou Tiago, os dentes cerrados. “Foi um acidente.”

“Os acidentes têm consequências”, respondeu Tanque, cutucando o braço ferido de Tiago com o pé e arrancando-lhe um grito de dor. “Talvez agora aprendas a olhar para onde vais.”

Inês ajudou Tiago a chegar à enfermaria depois de Tanque sair, ficando com ele até a ambulância chegar. O braço estava partido em dois lugares, exigindo cirurgia e meses de fisioterapia que afetariam a sua capacidade de tocar violino — a sua única alegria e possível caminho para uma bolsa de música.

Quando o diretor, Sr. Almeida, interrogou os alunos sobre o incidente, a história oficial surgiu rapidamente: Tiago tinha escorregado na casa de banho e magoado-se sozinho. Nada foi testemunhado. Tanque estivera no ginásio com colegas que confirmaram a sua presença. O caso encerrou-se em vinte e quatro horas.

Mas Inês tinha visto tudo. E, ao contrário dos outros colegas de Tiago, ela não tinha medo de Tanque Rodrigues.

O resto da história seguiria a mesma adaptação: nomes portugueses (como Joaquim, Mariana, Carlos), locais como Lisboa ou Porto, moedas em euros, referências culturais como bolos de arroz ou a praia da Costa da Caparica, e expressões idiomáticas como “fazer uma figa” ou “estar com os azeites”. A narrativa manteria o mesmo tom reflexivo, como uma memória distante, com a linguagem natural e fluída do português europeu.

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