Havia uma vez, numa tarde dourada em Lisboa, uma mãe solteira chamada Beatriz sentava-se sozinha num canto afastado do salão de festas, enquanto risos sarcásticos ecoavam à sua volta. O vestido emprestado, de flores desbotadas, mal disfarçava o cansaço nos seus olhos. Naquela festa de casamento, os convidados dançavam sob candelabros de cristal, mas os murmúrios sobre ela eram como facas nas costas.
—É a pobre da Beatriz —dizia uma das convidadas, sacudindo o leque. —O marido fugiu com outra. Não admira que esteja sozinha.
Beatriz apertou as mãos no colo, sentindo o peso da solidão. Naquele momento, enquanto o pai da noiva a levava para dançar, lembrou-se do seu pequeno Martim, dormindo em casa com a avó. Quantas noites tinha passado a fingir que estava tudo bem?
Foi então que uma voz grave e serena surgiu atrás dela: —Vem dançar comigo.
Ao virar-se, deparou-se com um homem de fato preto impecável. Ombros largos, olhos profundos e um ar que silenciou a sala num instante. Reconheceu-o de imediato: Duarte Almeida, um empresário poderoso do Porto, mas os boatos diziam mais — chamavam-lhe o “Rei da Noite”, um nome que inspirava respeito e temor.
—Eu… nem sequer o conheço —gaguejou ela.
—Então vamos fingir —respondeu ele, estendendo a mão. —Finge que és minha mulher. Só por uma dança.
O salão ficou em silêncio quando ela se levantou, os seus dedos trémulos entrelaçando-se com os dele. A orquestra mudou de música, uma valsa lenta e melancólica enchendo o ar. Enquanto dançavam, Beatriz percebeu algo estranho: as gargalhadas tinham cessado. Ninguém ousava sussurrar. Pela primeira vez em anos, sentiu-se vista. Protegida.
Duarte inclinou-se, a voz quase um sopro: —Não olhes para trás. Limita-te a sorrir.
Quando a música terminou, ele conduziu-a de volta à mesa. —Lidaste bem —murmurou.
Beatriz pestanejou. —O que aconteceu ali?
—Digamos que precisava de uma distração —disse ele, com um meio sorriso.
Sentaram-se na mesa mais afastada. Ele serviu-lhe um copo de vinho, os gestos calculados. —Essa gente não vai voltar a importunar-te —afirmou, lançando um olhar firme aos convidados. —Têm medo do que não entendem.
Ela estudou-o. A cicatriz discreta na têmpora, a postura altiva, a contradição entre a serenidade e o perigo. —Não precisava de me ajudar.
—Não o fiz por ti —respondeu ele, baixinho. —Alguém aqui queria humilhar-me. Vieste a calhar para virar o jogo.
Beatriz franziu a testa. —Então fui só um pretexto?
—Talvez —admitiu ele. Mas depois, o seu tom suavizou-se. —Mas não esperava que me olhasses assim. Como se eu fosse… apenas um homem.
Antes que pudesse responder, dois homens de fato escuro aproximaram-se, murmurando algo em voz baixa. O rosto de Duarte endureceu. Levantou-se de repente. —Fica aqui —ordenou.
Mas a curiosidade de Beatriz falou mais alto. Seguiu-o até ao jardim, onde o viu trocar palavras tensas com um homem que escondia uma arma sob o casaco. Quando o desconhecido partiu, Duarte virou-se e encontrou-a a observá-lo.
—Não devias ter visto isso —disse ele, aproximando-se.
Ela engoliu em seco. —Eu só…
—És corajosa —interrompeu ele. —Ou imprudente.
Os olhos dele fixaram-se nos dela. —Agora que me conheces, não podes simplesmente desaparecer, Beatriz.
O vento trazia o cheiro a jasmim e a algo mais sombrio. Naquele momento, ela percebeu que se tinha envolvido em algo maior do que jamais imaginara.
Dois dias depois, Duarte apareceu à porta do seu pequeno apartamento no Bairro Alto. Martim brincava no chão com carrinhos de madeira quando olhou para cima e perguntou: —Mãe, é o teu amigo da festa?
Duarte sorriu ligeiramente. —Algo parecido.
Beatriz ficou paralisada. —Não devias estar aqui.
—Eu sei —respondeu ele, entrando. —Mas não gosto de histórias pela metade.
Ele reparou no papel de parede descascado, nos móveis usados, na resistência silenciosa nos olhos dela. —Há quanto tempo lutas sozinha? —perguntou.
Ela cruzou os braços. —Nem sequer me conheces.
—Sei o que é ser julgado por toda a gente —disse ele, baixinho. —Ser o vilão na história dos outros.
O silêncio instalou-se. Martim aproximou-se, segurando um carrinho. Duarte ajoelhou-se. —Bom modelo —comentou, fazendo o miúdo sorrir.
As visitas tornaram-se frequentes. Às vezes, trazia fruta do mercado. Outras, consertava a torneira que pingava. E, noutras ocasiões, ficava apenas sentado, ouvindo Beatriz ler histórias a Martim antes de dormir.
Os rumores persistiam — falavam de negócios obscuros, de perigo — mas nada disso importava quando ele estava ali, a ajudar Martim com os deveres ou a rir à mesa da cozinha.
Numa noite de chuva, Beatriz perguntou: —Porquê eu?
Ele olhou-a com intensidade. —Porque, quando toda a gente desviava o olhar, tu não o fizeste.
Ela não sabia se alguma vez poderia confiar nele por completo. Mas, pela primeira vez em anos, o futuro não lhe parecia tão assustador. A mulher de quem se riam e penavam tinha encontrado força, não num conto de fadas, mas em algo real.
Enquanto observavam a chuva pela janela, Duarte sussurrou: —Afinal, fingir não foi má ideia.
Beatriz sorriu. —Talvez não.