“És capaz de acreditar mesmo na superstição de um miúdo de bairro?” A voz de Vitória Moreira cortou o ar da mansão como uma lâmina gelada, seus olhos azuis de aço fixos no rapaz de 12 anos à sua frente.
Miguel Carvalho acabara de fazer a proposta mais ousada da sua vida.
Depois de três dias a ver aquela mulher amarga deitar fora pratos inteiros de comida enquanto ele e a avó passavam fome do outro lado da rua, decidiu bater à sua porta.
“Minha senhora, eu não estava a brincar,” disse Miguel com calma.
“Posso ajudá-la a andar outra vez? Só preciso da comida que ia deitar fora.”
Vitória riu-se com crueldade, o eco enchendo o salão de mármore.
“Rapaz, já gastei 15 milhões de euros nos melhores médicos do mundo em oito anos. Achas mesmo que um sacana como tu consegue o que nenhum neurocirurgião conseguiu?”
O que Vitória não sabia era que Miguel não era um miúdo qualquer. Enquanto ela o olhava com desprezo, ele estudava cada detalhe da sua rotina—coisas que até os médicos tinham ignorado.
“Ela toma remédio para as dores nas costas todos os dias às 14h,” disse Miguel calmamente. “Três comprimidos brancos, um azul, e queixa-se sempre de ter as pernas geladas—mesmo quando está calor.”
A arrogância de Vitória vacilou. “Como é que sabes isso?”
Miguel passara semanas a observá-la—não por curiosidade, mas porque reconhecera os mesmos sintomas que a sua avó, Rosa Carvalho, tivera antes de ser operada e salva.
“Não precisa de mais remédios,” disse. “Precisa de alguém que entenda que, às vezes, a cura não vem de onde esperamos.”
Vitória bateu a porta, mas Miguel viu medo nos seus olhos: medo de que um miúdo pobre de 12 anos tivesse reparado no que os seus médicos caríssimos não viram.
**Os Segredos da Observação**
De volta ao seu apartamento modesto com a avó, Miguel sentou-se na varanda.
“Avó, conta-me outra vez sobre a pseudoparalisia,” pediu.
Rosa Carvalho, antiga funcionária de hospital e curandeira, sorriu orgulhosa. O seu conhecimento vinha de gerações de parteiras e herbanárias do Alentejo, passado de mãe para filha.
“Espertinho,” disse. “Viste o que eu te mostrei: as pernas dela mexem-se quando não pensa que alguém está a ver. Os músculos respondem a estímulos emocionais.”
Miguel acenou. *Ela está presa na própria mente. O corpo funciona, mas a mente criou as correntes.*
“Exato,” disse Rosa. “Três gerações de curandeiras ensinaram-me: às vezes o corpo mente, mas a mente diz sempre a verdade.”
**O Verdadeiro Problema da Milionária**
Naquela tarde, o Dr. Fernandes, neurologista privado de Vitória, trouxe novos exames.
“Vitória,” disse, ajustando os óculos, “neurologicamente, não há razão física para a tua paralisia. O teu sistema nervoso funciona perfeitamente. Suspeito que o trauma se manifeste como paralisia psicossomática.”
O mundo de Vitória desmoronou-se. Oito anos numa cadeira de rodas, e tudo tinha sido psicológico? Pior: um miúdo pobre diagnosticara-a em minutos, algo que os médicos caros não conseNo meio daquela noite, Vitória olhou novamente para o apartamento humilde de Miguel, onde a luz ainda brilhava, e pela primeira vez em anos, sentiu algo estranho—esperança.