A filha do cirurgião nunca tinha andado. Então um menino sem-abrigo disse: “Deixa-me tentar.”
O Dr. Rodrigo Martins observava a filha Beatriz através do vidro da sala de fisioterapia no Hospital Dona Estefânia em Lisboa, onde a menina permanecia imóvel numa cadeira especial. Com dois anos e meio, a menina loira nunca tinha dado um único passo, e todas as consultas com os melhores especialistas do país traziam o mesmo diagnóstico desanimador.
Senti um toque suave no meu casaco branco. Era um menino de cerca de quatro anos, cabelo castanho despenteado e roupa desgastada.
“Doutor, é o pai da menina loira?”, perguntou, apontando para a Beatriz.
Rodrigo ficou surpreso. Como aquele menino tinha entrado sozinho no hospital? Estava prestes a chamar segurança quando o miúdo continuou.
“Eu posso ajudá-la a andar. Eu sei como.”
“Rapaz, não devias estar aqui sozinho. Onde estão os teus pais?”, respondeu Rodrigo, tentando manter a paciência.
“Não tenho pais, doutor, mas sei coisas que podem ajudar a sua filha. Aprendi a cuidar da minha irmãzinha antes de… antes de ela partir.”
Havia uma seriedade no miúdo que fez Rodrigo hesitar. Beatriz, que sempre permanecia apática durante as sessões, virou a cabeça e esticou os bracinhos na direção do vidro.
“Como te chamas?”, perguntou Rodrigo, agachando-se.
“Chamo-me Tiago, doutor. Durmo naquele banco no jardim em frente ao hospital. Há dois meses que venho aqui e observo a sua filha.”
O coração de Rodrigo apertou. Um menino tão novo a viver na rua, mas preocupado com a Beatriz.
“Tiago, o que sabes sobre ajudar crianças que não andam?”
“A minha irmãzinha nasceu assim também. A minha mãe ensinou-me exercícios especiais que a ajudaram. Ela até começou a mexer as pernas antes de… antes de partir.”
Rodrigo sentiu um nó no peito. Tinha tentado todos os tratamentos convencionais, gastara fortunas em especialistas internacionais, e nada resultara. O que tinha a perder?
“Doutor Martins.” A voz da fisioterapeuta, a Dra. Marta, ecoou no corredor. “A sessão da Beatriz terminou. Mais uma vez sem resposta.”
“Marta, quero que conheças o Tiago. Ele… tem umas ideias para ajudar a Beatriz.”
A fisioterapeuta olhou para o menino com ceticismo.
“Doutor, com todo o respeito, um miúdo da rua não tem conhecimentos médicos para—”
“Por favor”, interrompeu Tiago. “Só cinco minutos. Se ela não responder, prometo que vou embora.”
Rodrigo olhou para Beatriz, que pela primeira vez em meses mostrava interesse em algo. Bateu palmas e sorriu para Tiago.
“Cinco minutos”, concordou Rodrigo, “mas vou observar tudo.”
Tiago entrou na sala e aproximou-se da Beatriz com cuidado. A menina observava-o com curiosidade.
“Olá, princesa”, disse Tiago suavemente. “Queres brincar comigo?”
Beatriz balbuciou e esticou os braços. Tiago sentou-se no chão e começou a cantarolar uma melodia enquanto massageava os pés da menina.
“O que está ele a fazer?”, sussurrou Marta.
“Parece… uma técnica de reflexologia”, respondeu Rodrigo, surpreso. “Onde é que um miúdo de quatro anos aprendeu isso?”
Para espanto de todos, Beatriz começou a emitir sons de prazer, e as pernas, normalmente rígidas, pareciam mais relaxadas.
“Ela nunca reagiu assim a nenhum tratamento”, murmurou Rodrigo.
“Ela gosta de música”, explicou Tiago. “Todas as crianças gostam. A minha mãe dizia que a música acorda partes do corpo que estão a dormir.”
Pouco depois, algo extraordinário aconteceu. Beatriz moveu o dedinho do pé esquerdo. Quase impercetível, mas Rodrigo viu.
“Marta, viste isto?”
“Podia ter sido um espasmo involuntário”, respondeu ela, mas havia dúvida na voz.
Minutos depois, Beatriz bocejou, cansada.
“Chega por hoje”, disse Tiago, levantando-se.
“Tiago”, chamou Rodrigo, “onde aprendeste isso?”