O tribunal fervilhava com murmúrios e uma tensão carregada de expectativa. Os jornalistas ocupavam as últimas filas—uns a rabiscar notas, outros contendo a respiração enquanto as câmaras filmavam discretamente atrás dos vidros. Não era um julgamento qualquer. Era um dos casos mais emocionantes que a cidade tinha visto nos últimos anos: um caso de violência doméstica de grande repercussão, com apenas uma testemunha viva—uma menina de três anos chamada Madalena.
Ninguém sabia como o dia iria decorrer. Juízes, procuradores e até advogados de defesa experientes tinham expressado preocupação em colocar uma criança tão pequena no banco das testemunhas. Será que ela entenderia o que estava a acontecer? Será que falaria?
A juíza—uma mulher mais velha conhecida pela sua compaixão, a Juíza Margarida Sousa—olhou para o processo à sua frente. Tinha revisto o caso vezes sem conta, mas havia demasiadas incógnitas. A criança não falava desde a noite em que a mãe fora encontrada inconsciente em casa—magoada, ensanguentada e a lutar por respirar. O acusado—o namorado da mãe—parecia ter uma defesa à prova de bala, ou assim parecia. Mas hoje, algo diferente estava a acontecer.
As portas duplas rangiam ao abrir e todos os olhos se viraram. Uma pequena figura entrou, agarrada à mão da mãe de acolhimento. Vestia um vestido azul-claro com bolinhas brancas, e uma fita descaía do lado do seu cabelo despenteado. Na outra mão, apertava um coelhinho de pelúcia, com uma orelha quase arrancada de tanto uso.
Atrás dela, ouvia-se o som suave de unhas no chão de linóleo: Sombra. A sala soltou um suspiro coletivo quando o pastor alemão entrou. Calmo e majestoso, os seus olhos castanhos percorreram a sala—alerta, mas tranquilo—com o seu colete de terapia, emitido pela polícia, preso ao peito. Sombra tinha sido treinado para confortar vítimas jovens durante depoimentos, mas ninguém sabia o quão crucial o seu papel se tornaria.
Madalena hesitou. Os seus olhos percorreram nervosamente os rostos desconhecidos, os assentos altos e a figura imponente da juíza no estrado. Apertou com mais força os dedos da mãe de acolhimento. Depois, viu-o—Sombra. Ele estava sentado, imóvel, no tapete em frente à cadeira da testemunha, com a cabeça ligeiramente inclinada. Sem precisar de ser incentivada, Madalena soltou a mão da mãe de acolhimento e caminhou até ele. Ajoelhou-se ao lado do cão e enterrou o rosto no seu pêlo espesso.
Um silêncio caiu sobre a sala. Até o ruído da caneta do escrivão parou. A juíza inclinou-se para a frente. A procuradora parecia esperançosa. O advogado de defesa ergueu uma sobrancelha. Então, Madalena sussurrou—apenas Sombra podia ouvir. Os seus lábios mal se mexeram, a respiração era superficial, os dedos a torcer um pedaço do pêlo do cão.
A princípio, parecia apenas um murmúrio nervoso de criança—até que a sua expressão mudou. Afastou-se ligeiramente e olhou para Sombra, os olhos arregalados, a testa franzida como quem tenta recordar algo há muito enterrado. Depois, olhou para ele—o homem no banco dos réus. Madalena não apontou. Não chorou. Mas a sua voz—subitamente mais alta do que alguA sala ficou em silêncio absoluto quando Madalena, com uma coragem que ninguém esperava de uma criança tão pequena, apontou para o réu e disse: “Foi ele quem magoou a mamã,” e nesse momento, até o mais cético dos jurados soube que a justiça finalmente seria feita.