Menina Implora a Motociclista por Ajuda para o Pai que Perdeu as Pernas mas Não o Amor pelas Motos

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Uma menininha chegou à minha mesa e implorou que eu ensinasse o seu pai a andar de mota.

“Ele chora todas as noites desde que o acidente lhe tirou as pernas,” sussurrou ela.

Depois, virou o seu mealheiro em cima da mesa do café — 4,73 euros em moedas de um e dois cêntimos espalharam-se pela superfície pegajosa.

“Mas ele costumava correr de mota antes de eu nascer, e eu pensei que talvez…” A voz sumiu-se, as lágrimas caíram enquanto o pai, lá fora, na cadeira de rodas, orgulhoso demais para entrar e ver a filha a suplicar a um motociclista por uma ajuda que não podia pagar.

Pela janela, vi-o curvado na cadeira, a olhar para a minha Harley com uma saudade capaz de partir o coração de qualquer um. Uns trinta e cinco anos, corte militar, próteses visíveis por baixo do calção. A pequenina escapara-lhe enquanto ele se perdia na dor.

“Como te chamas, querida?” perguntei, empurrando as moedas de volta para ela.

“Beatriz. O meu pai é o António. Ele já não fala de motas. Diz que essa vida acabou.” Inclinou-se para mim, baixando a voz. “Mas eu vi-o a olhar para revistas de motas na loja. Tocou nas fotos como se fossem tesouros.”

Ela não fazia ideia de que eu tinha uma oficina de motas adaptadas, especializada em veteranos feridos.

Levantei-me, deixando uma nota de vinte euros pelo café. “Guarda o teu dinheiro, Beatriz. Mas preciso que faças algo por mim.”

Os olhos dela brilharam. “O que for!”

“Vai dizer ao teu pai que o João Matos, da Matos Motos Personalizadas, quer falar com ele sobre os tempos de corrida. Diz-lhe que conheci o Miguel Ribeiro.”

O Miguel tinha sido o melhor amigo do António, morto na mesma explosão que lhe custou as pernas. Eu tinha construído a mota memorial do Miguel para a viúva dele.

A Beatriz disparou lá para fora, as moedas apertadas na mão. Vi-a puxar a manga do António, apontando para mim. A cara dele passou de irritação, a choque, a algo próximo do medo.

Entrou devagar, a Beatriz a empurrar a cadeira, mesmo sendo elétrica. De perto, vi aquele olhar vazio que tantos veteranos carregam — o olhar de quem desistiu.

“Conheceu o Miguel?” A voz dele falhou.

“Construí a mota memorial. A mulher dele, a Sofia, pediu-me.” Mostrei-lhe fotos no telemóvel — uma Softail linda, insígnia da unidade, número da farda, o nome dele gravado no cromo.

O António tocou no ecrã da mesma forma que a Beatriz descrevera. “Ele sempre prometeu ensinar-me a pilotar uma cruiser quando voltássemos. Eu era mais de desportivas, mas o Miguel adorava Harleys.”

“A Beatriz disse que costumavas correr.”

O queixo dele apertou-se. “Isso foi antes.”

“Antes de perderes as pernas? Ou antes de perderes a esperança?”

As mãos dele agarraram os braços da cadeira. “O que é que tu sabes disso?”

“Sei que acordas às três da manhã a pensar na estrada. Sei que ainda sonhas em inclinar nas curvas, o motor debaixo de ti. Sei porque já construí motas para trinta e sete veteranos que achavam que os dias na estrada tinham acabado.”

Mostrei-lhe vídeos — veteranos com próteses, paralisia, membros amputados — todos a pilotar motas adaptadas. Os rostos deles vivos de alegria.

“Isto é treta de inspiração forçada,” resmungou o António, mas os olhos não saíram do ecrã.

“Pai!” repreendeu a Beatriz. “Essa palavra é feia!”

“Este é o Sargento Mário Silva,” continuei. “Triplo amputado. Pilota um triciclo personalizado. Fez a Run for the Wall no ano passado.”

Outro vídeo. “A Cabo Ana Santos. Paralisada da cintura para baixo. Concluiu a Rota 66 na sua Spyder.”

“Para,” sussurrou o António. “Por favor.”

A Beatriz agarrou o telemóvel. “Pai, olha! Todos eles estão a andar! Tu também podias!”

“Com que dinheiro, Beatriz?” arrancou ele. “Achas que o exército paga motas personalizadas? A reforma cobre sonhos? Essa vida acabou.”

O lábio da Beatriz tremeu. Empurrou os 4,73 euros para a frente outra vez. “Então eu vou poupar mais. Deixo de almoçar. Eu—”

“Tens faltado ao almoço?” A voz dele ficou mortalmente baixa. Olhou para ela, reparando pela primeira vez na magreza do corpo, nas roupas gastas.

“Não preciso de almoçar,” disse ela, teimosa. “Tu precisas mais da mota.”

O António desmoronou-se. Aquele fuzileiro que sobrevivera a uma explosão, cirurgias, próteses, desmoronou-se à nossa frente. Puxou-a para o colo. “Oh, minha querida. O que é que eu fiz? O que é que eu te fiz?”

Dei-lhes espaço antes de tossir. “António, ouve-me.”

Ele olhou para mim, os olhos cheios de lágrimas.

“Cada mota que construí para um veterano foi de graça. Financiada por passeios, doações, motociclistas velhos que sabem o que é precisar do vento. A tua mota — o irmão do Miguel — está à espera na minha oficina há seis meses.”

Ele fitou-me. “O quê?”

“A Sofia encomendou duas. Uma para a memória do Miguel, outra para o irmão que sobreviveu. Ela chama-te assim. Pagou tudo.”

“Eu já não consigo andar.”

“Não como antes,” admiti. “Mas consegues. Controlos manuais, estabilizadores, banco adaptado. Está pronta.”

A Beatriz saltou no colo dele. “Pai, por favor!”

“Já lá vão três anos,” sussurrou ele. “Nem me lembro—”

“Como não te lembras,” cortei. “Toda a mudança, cada curva, cada linha perfeita numaEra ali, nos seus olhos, aquela chama que só o vento da estrada pode acender de novo.

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