Um milionário foi a um asilo para fazer uma doação, mas o que parecia um gesto simples acabou numa surpresa. Encontrou a mãe, desaparecida há três décadas, e a revelação dela mudou a sua vida para sempre. João Almeida saiu do carro com as mãos nos bolsos do casaco.
Estava a chover, não muito, mas daquela chuva que parece que não vai parar o dia todo. O motorista ofereceu-lhe o guarda-chuva, mas ele recusou com um aceno de cabeça. Caminhou direto para a entrada do asilo com passos firmes, sem se importar de se molhar. O lugar não era nada elegante. Dava para ver que mal tinha o necessário.
O letreiro na entrada estava enferrujado e as letras mal se conseguiam ler. Lar de Idosos Santa Clara era o terceiro que visitava naquele mês, tudo como parte do programa de ajuda social que criara em memória da sua mãe. Há anos que ele doava recursos a hospitais, escolas, abrigos. Não procurava câmaras, nem entrevistas, nem aplausos.
Fazia-o porque sentia que, de alguma forma, isso a mantinha por perto. A mãe desaparecera quando ele tinha 12 anos. Um dia saiu de casa para fazer umas compras e nunca mais voltou. Ninguém soube mais nada. Foi como se a terra a tivesse engolido. A polícia investigou, claro, mas nunca encontraram nada, nem testemunhas, nem pistas, nem um único telefonema.
O pai morrera pouco depois e ele foi criado pelos tios, rodeado de dinheiro, mas também de silêncios e perguntas que ninguém respondia. Agora, com 42 anos, bem-sucedido, dono de várias empresas e com mais dinheiro do que poderia gastar numa vida inteira, ainda carregava esse vazio. Por isso estava ali. Cumprimentou o responsável do asilo, um homem baixinho de cabelo branco chamado senhor António.
Explicou que não avisara com antecedência porque queria ver o local como era, sem preparativos nem filtros. O senhor António não pareceu incomodado, pelo contrário, levou-o a percorrer as instalações com calma. O lugar era simples, com corredores estreitos, paredes descascadas e um cheiro forte a medicamentos e café velho.
Havia quartos com três ou quatro camas, alguns ventiladores antigos pendurados no teto e muitas cadeiras de rodas encostadas às paredes. Apesar de tudo, havia uma certa ordem. Notava-se que as pessoas que ali trabalhavam se esforçavam para manter o lugar digno. Enquanto caminhavam, João ouvia com atenção as histórias que o senhor António contava. A maioria dos idosos ali não tinha família.
Alguns tinham sido abandonados, outros simplesmente esquecidos. João ia anotando mentalmente o que faltava. Colchões novos, ventiladores, medicamentos. Quando chegaram ao fim de um corredor, João parou de repente. A uns metros, perto de uma janela, estava uma mulher sentada numa cadeira de rodas.
Não estava a fazer nada, apenas a olhar para a chuva. Tinha o cabelo completamente branco, preso numa trança grossa que lhe caía sobre o ombro. Estava magrinha, com um casaco azul tricotado à mão e um cobertor sobre as pernas. Mas não foi isso que chamou a atenção de João, foi o rosto dela.
Havia algo nela que lhe pareceu estranho, familiar, não conseguia explicar o quê, mas ao vê-la sentiu um aperto no peito. Aproximou-se devagar, sem dizer nada. A mulher não se mexeu. Parecia noutro mundo. João inclinou-se um pouco, tentando ver melhor o seu rosto. Então ela virou a cabeça para ele, olhou-o nos olhos e, apesar de os olhos estarem um pouco turvos e a expressão cansada, nos lábios trémulos surgiu uma palavra suave mas clara.
Joãozinho. O coração de João acelerou. Deu um passo atrás. Não sabia o que acabara de acontecer. Teria ouvido bem? Alguém o chamava assim desde que era criança. Era a alcunha que só a mãe e a senhora que o cuidava usavam. Engoliu em seco e aproximou-se novamente. Ajoelhou-se um pouco para ficar à altura dela. Desculpe, o que disse?
A mulher apenas olhava. Não respondeu. Piscava os olhos devagar, como se estivesse entre o sono e a vigília. Conhece-me? perguntou ele, sem conseguir esconder o nervosismo. Ela levantou ligeiramente a mão trémula e tocou-lhe no rosto. O dedo mal roçou a bochecha, como se não tivesse a certeza de que ele era real.
Joãozinho, repetiu ela com um tom mais baixo, mas igualmente claro. João ficou paralisado. Olhou para o senhor António, que estava atrás dele, também surpreendido. Quem é ela? perguntou João sem tirar os olhos dela. O senhor António coçou a cabeça. Ela chegou há cerca de 30 anos. Ninguém sabia o nome dela. Foi um caso estranho.
Encontraram-na na rua desorientada, sem documentos, sem falar muito. Desde então está aqui. Nunca recebeu visitas, nunca disse como se chamava. João ajoelhou-se à frente dela. A mente estava a mil. Queria falar com ela, fazer perguntas, sacudi-la, mas não podia. Era óbvio que algo não estava bem.
Como se chama? Tem algum nome aqui? Chamamos-lhe Dona Maria, mas na verdade nunca soubemos se era o nome verdadeiro. Foi assim que a registaram quando a trouxeram. João voltou a olhar para a mulher. A respiração estava acelerada, mas não de cansaço, era uma mistura de emoções que não entendia. Algo dentro dele gritava que não era coincidência.
Aquele rosto, aqueles olhos, aquele gesto quando lhe tocou a cara. Era como ver alguém que sonhara mil vezes, mas isso não fazia sentido. A mãe desaparecera quando ele era criança. Se aquela mulher estava ali há 30 anos, encaixava, mas era absurdo.
Como poderia ser ela? Como chegara ali? Por que ninguém a encontrara antes? Posso falar com o médico daqui? Claro, senhor Almeida. Já o chamo. João ficou ali de pé a olhar para Dona Maria sem saber se chorava, corria ou a abraçava. Ela já não dizia nada. Voltou a virar a cabeça para a janela, como se a chuva lhe contasse um segredo.
Ele ficou com o olhar fixo naquele rosto e, pela primeira vez em anos, sentiu medo, não por ela, mas pelo que tudo aquilo podia significar. Porque se estivesse certo, a história da sua família estava prestes a mudar para sempre. João não se mexeu. Continuou junto à janela com os olhos fixos na mulher.
O som da chuva a bater nos vidros preenchia o silêncio incómodo que se instalara depois de ela dizer o nome dele. Bem, não o nome completo, mas a alcunha de criança. Ninguém o chamava assim desde os 12 anos. Ninguém, nem na escola, nem na família, nem nas empresas.
Aquele nome estava guardado numa parte da vida que ele quase não tocava. E no entanto, ali estava aquela senhora, uma mulher que supostamente não o conhecia, que nem sequer se lembrava do próprio nome, a olhá-lo com aqueles olhos cansados, mas ao mesmo tempo cheios de algo que não conseguia explicar.
Era como se o reconhecesse, como se visse algo que os outros não viam. João sentiu um arrepio a percorrer-lhe a espalda. A boca estava seca. Não entendia o que se passava, mas o corpo entendia. Havia algo naquele olhar que o paralisava. Não era medo, não totalmente.
Era mais uma mistura de confusão, tristeza e um pouco de esperança. Ajoelhou-se novamente para ficar à altura dela. Ela não olhava diretamente como antes, mas os olhos permaneciam fixos naJoão segurou a mão dela, sentindo finalmente que depois de tantos anos perdidos, o destino lhes dera uma segunda chance para reencontrar o amor que nunca deveria ter desaparecido.