“Ó homem, sai da frente, velhote, a sério, desanda daí!” A voz, aguda e arrogante, cortou o ar pesado do elevador apinhado na movimentada Torre Albuquerque, no coração de Lisboa.
“Como te atreves a pôr as mãos num idoso?”, replicou outra voz, clara e firme, surpreendendo a todos. “O elevador já ia cheio quando entraste. Se alguém tem de sair, devias ser tu.”
A mulher que falou, uma loura de traços severos num fato de marca caríssimo, virou bruscamente.
“Quem te pensas que és para me mandar sair? Sabes com quem estás a falar? Ou a minha ligação direta com Eduardo Albuquerque, o próprio presidente?” Os seus olhos, reduzidos a fendas, fitaram o recém-chegado com desdém. “Não me interessa quem sejas. Pede desculpa já.”
Uma jovem, Inês Mota, pestanejou. Será que esta mulher não vê? Como ousava enfrentar abertamente Sofia Reis, a temida diretora sénior da Albuquerque & Filhos? Inês sabia da má fama de Sofia, e aquele dia era de entrevistas para muitos candidatos, incluindo ela.
“Ela veio para entrevista”, murmurou alguém nervoso. “Já se queimou ao irritar a Sofia.”
Inês abanou ligeiramente a cabeça. Não vale a pena, pensou, virando-se para o idoso que parecia ainda atordoado.
“Senhor, está bem?”, perguntou com voz doce, mostrando genuína preocupação.
Ele sorriu, fraco.
“Estou bem, obrigado, menina. E fico contente que esteja também.” Parou, fitando-a com bondade. “Como te chamas, querida?”
“Inês Mota.”
“Trabalhas aqui, na Albuquerque & Filhos?”, perguntou ele, os olhos fixos nela.
“Não, senhor. Vim para uma entrevista”, respondeu Inês, com um sorriso esperançoso.
Ele sorriu, largo.
“Pois eu acredito em ti, Inês. Vais conseguir.”
As palavras simples aqueceram Inês de modo inesperado.
“Agradeço, senhor”, disse ela, justo quando o elevador parou e as portas se abriram.
A multidão saiu, deixando Inês e alguns outros a caminho do departamento de Recursos Humanos.
“Será que vamos conhecer o Sr. Albuquerque hoje?”, murmurou alguém ao lado.
“Porque é que ele se daria ao trabalho de aparecer a entrevistas de ‘ninguéns’?”, troçou outro. “A menos que cheguem à administração, dificilmente verás o presidente Albuquerque.”
“Inês Mota?”, chamou uma voz clara da receção.
“Presente”, respondeu ela, avançando.
“Pode entrar para a entrevista.”
Entretanto, num luxuoso penthouse em Lisboa com vista para o Tejo, Eduardo Albuquerque, CEO da Albuquerque & Filhos, falava ao telefone com exasperação:
“Sr. Costa, a equipa não esteve no aeroporto para receber o avô. Verificou a casa antiga dele em Cascais? Também não está lá. Maldito velho! Ainda está a recuperar-se? Porque raio voltou a Portugal sem avisar?”
Uma voz rouca trovejou do outro lado:
“Tens o desplante de me perguntar? Já passou um ano, Eduardo! Um ano desde que prometeste apresentar-me a minha nora. Onde está ela? Ao menos casaste-te?”
Eduardo suspirou, esfregando a ponte do nariz.
“Avô, mostrei-te a certidão de casamento.”
“Só a capa, rapaz! Achas que estou gagá? Não quero papéis, quero vê-la. Se não a conhecer, juro que… morro aqui mesmo!”
Eduardo cedeu, sabendo que resistir era inútil.
“Está bem, está bem. Se prometeres recuperar, apresento-ta. Um mês, sim? É o que te dou.”
O velho bufou, relutante.
“Ah, e uma rapariga chamada Inês Mota teve entrevista hoje na tua empresa. Contrata-a.”
Eduardo arqueou uma sobrancelha.
“Avô, a empresa contrata por mérito, sabes isso.”
“Se chegou à entrevista, já tem capacidade. Essa Inês Mota… é bondosa e bonita. Gostei. Muito.”
Eduardo conteve outro suspiro.
“Está bem, está bem. Contrato-a. Satisfeito?”
Em Lisboa, Inês entrou na sala de entrevistas. Cumprimentou o painel, nervosa, e entregou o currículo.
Na cabeceira estava Sofia Reis. Ao vê-la, sorriu com desdém.
“Ora, que coincidência.”
Inês sentiu o coração afundar. Estou perdida.
“Saia daqui”, ordenou Sofia, acenando a mão.
“Nem sequer viu o meu currículo”, retorquiu Inês, com um lampejo de rebeldia.
“Não preciso. Lixo como você não pertence aqui.”
Nesse instante, a porta abriu-se. Entrou Eduardo Albuquerque, imponente, cada passo impondo silêncio.
Inês, indignada, não se conteve:
“Está a rejeitar-me só porque a enfrentei no elevador, não está?”
Sofia sorriu, superior.
“E se estiver? Humilhou um idoso, foi falta de educação.”
“E se pudesse, faria de novo”, replicou Inês, firme. “Com entrevistadoras como a senhora, prefiro desistir.”
Sofia encolheu os ombros.
“Como quiser.”
Eduardo, que observara em silêncio, falou afinal. Os olhos cravaram-se em Inês.
“Quem é Inês Mota?”
“Sou eu”, respondeu ela, surpresa.
Ele folheou o currículo abandonado.
“Estudaste design? O departamento de design precisa de mais pessoal?”
“Está completo, senhor”, apressou-se a dizer um gerente.
“Então que comece como assistente na secretaria. João Costa, trata da papelada.”
“Sim, senhor”, respondeu João, confuso, levando Inês para fora.
Sofia fulminou-a com o olhar.
“Esta já vai à procura de subir na vida. Vai pagar por isto…”
Mais tarde, no escritório, Inês mal se instalara quando uma voz desagradável soou:
“Então és a nova ‘menina bonita do escritório’, eh?”
Era Rui Pacheco, chefe de marketing, que se aproximou com olhar lascivo e tentou tocar-lhe no braço.
“O que está a fazer?”, Inês afastou-o com uma chapada.
Rui arregalou os olhos, indignado.
“Ousa bater-me?”
“Assediou-me. A chapada foi misericórdia”, respondeu Inês, firme.
Sofia surgiu de repente, gritando:
“Sr. Albuquerque! Veja o que se passa aqui!”
Eduardo saiu do gabinete, sobrolho franzido.
“Que se passa?”
Inês não hesitou:
“Ele assediou-me! Tocou-me!”
Rui mudou a expressão num instante:
“Não, senhor Albuquerque! Ela usou-me para subir. Foi ela que se insinuou. Quem deixou entrar esta manipuladora? Despeça-a já!”
Inês, furiosa, apontou para ele:
“Foi a senhora que a contratou!”
Eduardo ficou em silêncio um instante, um brilho estranho nos olhos.
Rui, julgando-se vencedor, sorriu com arrogância.
Eduardo falou, voz fria e decisiva:
“Fora. Ouviste? Fora!”
Inês sobressaltou-se.
“Porque me despede a mim, se ele é que me assediou?”
Eduardo suspirou, esfregando as têmporas.
“Falava dele. Não de ti.”