Casei-me aos 25 anos, achando que o casamento era o final feliz que toda mulher sonhava. Mas em três anos, percebi que fora a pior decisão da minha vida.
Naquele dia, ardendo em febre de mais de 40°C, o corpo tremia, a cabeça girava, os membros pesados como pedra. Só queria ficar quieta e descansar. Mas quando o meu marido, Rui, chegou do trabalho à noite, as primeiras palavras foram um rosnado:
—Por que o arroz não está pronto? Por que não cozinhaste?
Tentei levantar-me, murmurando fracamente:
—Eu… estou com febre. Hoje não consigo. Amanhã compenso, só por esta noite…
Mas os olhos dele encheram-se de fúria. —De que serve uma mulher que não consegue nem fazer um arroz? — berrou, antes de a palma da mão me atingir a cara com força de trovão.
A face ardia, as lágrimas caíam sem controle. Não sabia se era da dor ou da humilhação. Tentei protestar: —Rui… estou mesmo doente… — mas ele não quis saber. Entrou no quarto, bateu a porta, deixando-me trémula no sofá.
Naquela noite, delirante de febre, entendi a verdade: o homem que chamei de marido nunca me amou. Só me via como criada.
Pela manhã, soube que não aguentava mais. De mãos trémulas mas com um coração estranhamente calmo, preenchi os papéis do divórcio e assinei. Entrando na sala, falei sem emoção:
—Rui, quero o divórcio. Não vivo mais assim.
Antes que ele respondesse, a minha sogra, Dona Amélia, saiu da cozinha aos berros:
—Divórcio? Quem pensas que assustas? Esta casa não é sítio de onde se sai assim!
Apontou-me o dedo, gritando mais alto:
—Se saíres, vais acabar a mendigar na rua! Ninguém vai querer uma mulher inútil como tu!
Foi outra bofetada, mas desta vez não doeu. Mantive-me firme, olhei-lhe nos olhos e respondi com calma:
—Mendigar na rua ainda será melhor que viver nesta casa sem dignidade. Pelo menos os mendigos são livres. Prefiro pedir esmola a ser a sombra da tua família.
A sala ficou em silêncio. Até Rui, que avançou para gritar, parou diante do meu olhar. Pela primeira vez, não tive medo.
Com uma mala pequena, deixei tudo para trás. Os vizinhos sussurravam enquanto me afastava: —Coitada, mas tem coragem.
A vida depois não foi fácil. Aluguei um quarto minúsculo, voltei a trabalhar e fui curando aos poucos. Mas todas as manhãs, ao acordar, sentia alívio. Nada de bofetadas, nada de noites em pânico.
Um mês depois, a força e o ânimo voltaram. O trabalho fluía, os amigos ajudavam, os colegas apoiavam. Percebi que a felicidade não está numa casa grande, mas na paz e no respeito.
Entretanto, Rui e a mãe enfrentaram a queda. Espalhou-se a notícia da sua crueldade, e a loja deles perdeu clientes. As pessoas evitavam-nos, fartas da arrogância de Dona Amélia.
Com o tempo, tornei-me mais forte, mais livre. Às vezes, lembro-me daquela noite febril—foi o momento que me salvou.
Um dia, perguntaram-me se me arrependia do divórcio. Ri.
—Arrepender-me? Não. O único arrependimento é não ter saído mais cedo. Se não tivesse assinado aqueles papéis, ainda seria uma sombra. Agora sou livre, e a liberdade é o maior presente de todos.