Casei-me aos 25 anos, acreditando que o casamento era o final feliz que toda mulher sonhava. Mas em três anos, percebi que tinha sido a pior decisão da minha vida.
Naquele dia, ardia com uma febre acima dos 40°C. O corpo tremia, a cabeça rodava, cada membro pesado como pedra. Só queria ficar imóvel e descansar. Mas, ao anoitecer, quando o meu marido, Guilherme, chegou do trabalho, as primeiras palavras que saíram da sua boca foram um rosnado:
“Por que o arroz não está pronto? Por que não cozinhaste?”
Tentei levantar-me, murmurando com voz débil:
“Eu… estou com febre. Não consigo hoje. Só por esta noite, amanhã compenso.”
Mas os olhos dele encheram-se de fúria. “Que serventia tem uma mulher que não consegue fazer um tacho de arroz?” berrou, antes de a palma da mão me atingir a cara com a força de um trovão.
A face ardeu, as lágrimas caíram sem controlo. Não sabia se era da dor ou da humilhação. Tentei protestar: “Guilherme… estou mesmo doente…”, mas ele não quis saber. Entrou no quarto como um furacão, bateu a porta e deixou-me ali, a tremer no sofá.
Naquela noite, delirante de febre, percebi a verdade: o homem que eu chamava de marido nunca me amara. Nunca me vira como companheira, apenas como criada.
De manhã, sabia que não podia continuar. Com as mãos trémulas mas o coração estranhamente calmo, preenchi os papéis do divórcio e assinei o meu nome. Entrei na sala e disse, sem emoção:
“Guilherme, quero o divórcio. Não vou viver mais assim.”
Antes que ele respondesse, a minha sogra, Dona Amélia, saiu da cozinha aos gritos, a voz como um temporal:
“Divórcio? A quem é que queres assustar? Esta casa não é um lugar do qual se sai assim, sem mais nem menos!”
Apontei-me com o dedo, berrando ainda mais alto:
“Se saíres, vais acabar a mendigar na rua. Ninguém vai querer uma esposa inútil como tu!”
Foi outra bofetada, mas desta vez não doeu. Mantive-me firme, olhei-a nos olhos e respondi com calma:
“Mendigar na rua ainda seria melhor do que viver nesta casa sem dignidade. Pelo menos os mendigos são livres. Prefiro pedir esmola a ser sombra da tua família.”
A sala ficou em silêncio. Até o Guilherme, que se precipitou para gritar, parou sob o meu olhar. Pela primeira vez, não senti medo.
Com uma mala pequena, deixei tudo para trás. Os vizinhos sussurravam enquanto eu ia embora: “Pobre coitada, mas tem coragem.”
A vida depois não foi fácil. Aluguei um quarto minúsculo, voltei a trabalhar e fui-me curando. Mas todas as manhãs, ao acordar, sentia alívio. Não mais bofetadas inesperadas, não mais noites passadas com medo.
Um mês depois, a força e o espírito regressaram. O trabalho fluía melhor, os amigos animavam-me, os colegas apoiavam-me. Percebi que a felicidade não está numa casa grande, mas na paz e no respeito.
Entretanto, Guilherme e a mãe enfrentaram a sua própria queda. Espalhou-se a notícia da crueldade dele, e a loja deles perdeu clientes. As pessoas evitavam-nos, fartas da arrogância da Dona Amélia.
Com os meses, tornei-me mais forte, mais livre. Muitas vezes, lembro-me daquela noite febril—foi o ponto de virada que me salvou.
Certa vez, perguntaram-me se me arrependia do divórcio. Ri.
“Arrependida? Não. O único arrependimento é não ter saído mais cedo. Se não tivesse assinado aqueles papéis naquele dia, ainda seria uma sombra. Agora sou livre, e a liberdade é o maior presente de todos.”