“Finge que és minha esposa à frente de todos”, ordenou o milionário à jovem. Inês Pereira nunca imaginou que aceitar um emprego como arrumadeira num hotel cinco estrelas em Lisboa mudaria a sua vida para sempre. Aos 24 anos, tinha deixado a sua natal Coimbra apenas seis meses antes, levando apenas uma mala e o sonho de estudar gestão.
O salário no Hotel Tivoli mal dava para pagar a renda do seu pequeno apartamento no bairro da Graça, mas era honesto e dava-lhe esperança num futuro melhor. Naquela manhã de março, o ar estava fresco e o céu azul típico do Tejo anunciava um dia comum. Inês organizava as toalhas no carrinho quando ouviu passos apressados no corredor do 15º andar. “Desculpe, menina”.
Uma voz masculina chamou-a em português com um sotaque refinado próprio dos bairros elegantes da capital. Ela virou-se e deparou-se com um homem alto de cabelo castanho, com ligeiras entradas e olhos escuros intensos. Vestia um fato azul marinho impecável e trazia uma pasta de couro que parecia valer mais do que três meses do seu salário. “Sim, senhor. Em que posso ajudá-lo?”, respondeu Inês, ajustando nervosamente o uniforme.
“Chamo-me Duarte Mendes. Preciso da tua ajuda com algo fora do comum.” Olhou em redor como a certificar-se de que estavam sozinhos. “Posso falar contigo em privado? É urgente.” Inês hesitou. Duarte parecia ter uns 42 anos e havia algo nos seus olhos que transmitia uma mistura de desespero e determinação. Não parecia perigoso, apenas desesperado. “Claro, mas não posso demorar muito. Tenho outros quartos para limpar.”
Duarte levou-a a uma pequena sala de estar no final do corredor, reservada para hóspedes especiais. Fechou a porta com cuidado e virou-se para ela. “O que te vou pedir pode parecer estranho, mas preciso mesmo da tua ajuda.” Respirou fundo. “A minha família está a organizar um jantar esta noite. Será no restaurante Belcanto na rua Serpa Pinto. É complicado explicar, mas preciso que alguém finja ser minha esposa à frente deles.”
Inês abriu os olhos desmesuradamente. “Como assim finja, senhor Mendes? Nem sequer o conheço.” “Eu sei, eu sei. Parece loucura.” Duarte passou a mão pelo cabelo. “A minha família tem expectativas muito específicas sobre a minha vida pessoal. Acham que sou casado há dois anos. Deixei que pensassem isso para evitar que me pressionassem constantemente sobre casamento e filhos.” “E por que me pede isto a mim? Não há agências para este tipo de coisas?”, perguntou Inês genuinamente curiosa.
“Preciso de alguém autêntico, que a minha família não conheça e que não faça parte dos seus círculos sociais.” Duarte tirou uma carteira do bolso. “Pago-te 5000 euros pela noite, apenas um jantar, umas horas. Só tens que sorrir, ser simpática e fingir que me conheces bem.” 5000 euros. Era mais do que metade do seu salário mensal. Com aquele dinheiro, Inês poderia pagar as propinas atrasadas da universidade e ainda sobraria para comida no mês seguinte.
“Por que deveria confiar em si?”, perguntou cruzando os braços. Duarte olhou-a nos olhos e, pela primeira vez desde que começara a conversa, ela viu uma vulnerabilidade genuína no seu rosto. “Porque estou a ser honesto contigo desde o início. Podia ter inventado uma história, mas escolhi dizer-te a verdade.” Estendeu a mão. “Sou dono de uma empresa de tecnologia. Tenho 42 anos. Nunca me casei e a minha família acha que sou um fracasso pessoal por isso.”
Inês olhou para a mão estendida, depois para o seu rosto. Havia algo sincero na sua expressão que a comoveu. “Inês Pereira”, disse apertando a sua mão. “24 anos, estudante de gestão e, ao que parece, tua nova esposa temporária.” Duarte sorriu pela primeira vez e Inês notou como isso transformava completamente o seu rosto. “Então, aceitas?”
“Aceito. Mas com condições.” Inês endireitou os ombros. “Nada de contacto físico para além de um aperto de mão ou um braço dado. Vens buscar-me às 19h e trazes-me de volta sã e salva. E se alguém fizer perguntas muito pessoais sobre o nosso casamento, tu mudas de assunto.” “Perfeito. Vou buscar-te às 19h.” Duarte anotou o endereço que ela lhe deu num papel. “E Inês, obrigado. Não sabes o alívio que me dás.”
Quando ele saiu da sala, Inês ficou sozinha a olhar para o cartão de visita que ele lhe deixara. “Duarte Mendes, CEO da TecnoLis, Lisboa”. Em baixo, o endereço de uma empresa na prestigiada Torre do Oriente. Pela primeira vez em meses, perguntou a si mesma se não se estava a meter em algo muito maior do que imaginava.
Às sete em ponto, um Mercedes-Benz preto parou em frente ao modesto edifício onde Inês vivia, na Rua da Alegria. Ela escolhera um vestido azul-marinho simples, emprestado pela vizinha, e uns sapatos baixos pretos que comprara numa loja de departamentos durante a pausa do almoço.
Duarte saiu do carro e abriu-lhe a porta, impecável num fato cinza escuro. “Estás linda”, disse com sinceridade. E Inês sentiu um calor a subir-lhe ao rosto. “Obrigada. Espero que seja adequado para o restaurante.” “Está perfeito.” Duarte ajudou-a a entrar no carro. “Pelo caminho conto-te sobre a minha família para não ficares desprevenida.”
Enquanto atravessavam o trânsito de Lisboa, rumo ao Chiado, Duarte explicou: “O meu pai, António Mendes, tem 70 anos. É dono de várias empresas de construção e é, digamos, tradicional. Acha que um homem da minha idade já devia ter esposa e, pelo menos, dois filhos.” Fez uma pausa. “A minha mãe, Sofia, tem 68 anos. É mais gentil que o meu pai, mas igualmente preocupada com a minha vida pessoal.”
“E tens irmãos?”, perguntou Inês, ajustando o cinto de segurança. “Sim, a minha irmã Leonor tem 38 anos, é casada com Rui e tem dois filhos pequenos. Sempre foi a filha modelo.” Havia um tom de amargura na sua voz. “E o meu irmão mais novo, Pedro, tem 35. É solteiro, mas está com a mesma namorada há cinco anos. Mesmo assim, a pressão cai sempre sobre mim por ser o mais velho.”
Inês observou o perfil de Duarte enquanto ele conduzia. Havia uma tensão nos seus ombros que não notara antes. “Por que nunca te casaste a sério?”, perguntou suavemente. Duarte ficou em silêncio por um momento, com os olhos fixos no trânsito. “Tive um relacionamento sério aos 35 anos. Durou três. Ela queria casar-se, ter filhos. Eu achava que também queria isso. Mas quando chegou a hora de dar o passo seguinte, percebi que estava com ela porque era o que todos esperavam de mim, não porque fosse o que realmente desejava.”
“E o que desejavas tu?” “Liberdade para construir a minha empresa sem pressões familiares. Tempo para descobrir quem era realmente, fora das expectativas dos outros.” Olhou para ela rapidamente. “Soa egoísta.” “Soa honesto”, respondeu Inês. “Melhor isso que um casamento infeliz.” Duarte sorriu. “Agora percebo por que te escolhi para isto.”
Chegaram ao Belcanto, um dos restaurantes mais conceituados da cidade. O local exalava sofisticação com a sua decoração minimalista e ambiente intimista. “Última oportunidade para desistires”, disse Duarte, pegando-lhe suavemente na mão. “No final, entre risos e lágrimas, Inês e Duarte perceberam que o amor verdadeiro, mesmo quando começa com uma mentira, só se torna real quando escolhemos ser honestos um com o outro.