**Diário de Pablo – A Descoberta que Mudou Tudo**
A chuva batia no para-brisa do velho táxi amarelo enquanto eu ajustava o boné de motorista que havia comprado naquela manhã. Minhas mãos, acostumadas a assinar contratos milionários, agora tremiam levemente sobre o volante desgastado. Nunca imaginei que chegaria a esse ponto: espionar minha própria esposa, disfarçado de taxista.
Eu havia construído um império empresarial do zero. Aos meus quarenta e poucos anos, era dono de uma cadeia de hotéis de luxo que se estendia por todo o país. Meu nome aparecia regularmente nas páginas de negócios dos principais jornais, e meu rosto era reconhecido nos círculos mais exclusivos da sociedade. Mas naquela manhã, dentro de um táxi emprestado pelo Fernando, meu motorista de confiança, eu me sentia o homem mais pobre do mundo.
Tudo começou uma semana antes, quando encontrei uma mensagem no celular da Catarina que mudou minha vida para sempre. “Nos vemos amanhã às 15h, como sempre. Amo você.” A mensagem vinha de um número desconhecido. Minha esposa, a mulher com quem compartilhei tantos anos de casamento, a mãe dos meus filhos, estava tendo um caso.
Catarina era tudo o que eu sempre sonhara numa mulher: elegante, inteligente, com um sorriso que iluminava qualquer ambiente. Nós havíamos nos conhecido quando eu ainda estava começando nos negócios, e ela esteve ao meu lado em todos os anos de luta e sucesso. Pelo menos era o que eu sempre achei.
A ideia do disfarce surgiu quando percebi que contratar um detetive seria arriscado demais. Na minha posição, qualquer vazamento arruinaria não só meu casamento, mas também minha reputação. Foi o Fernando, que trabalhava para nossa família há anos, quem sugeriu o plano.
“Senhor Pablo,” ele disse, com sua voz prudente, “se quer mesmo descobrir a verdade sem que ninguém saiba, tem que ser você mesmo quem acha. Posso conseguir um táxi e ensinar o básico. Com um boné e óculos, ninguém vai te reconhecer.”
No começo, achei a ideia absurda. Mas quanto mais eu pensava, mais fazia sentido. Catarina jamais suspeitaria que seu marido milionário estaria dirigindo um táxi pelas ruas da cidade.
Por três dias, Fernando me ensinou o essencial: usar o taxímetro, as rotas mais comuns, como se comportar. Eu me surpreendi com o quanto não sabia sobre a cidade, que eu julgava conhecer tão bem.
No quarto dia, me estacionei perto do shopping onde Catarina costumava fazer compras. Eu usava óculos escuros, um boné surrado e uma camisa xadrez comprada especialmente para a ocasião. Deixei a barba crescer por alguns dias, mudando completamente meu visual.
Esperei horas, observando cada carro, cada pessoa na calçada. Meu coração acelerava a cada mulher que se parecia com Catarina. Mas ela não apareceu naquele dia.
No segundo dia, quase desisti. A incerteza me consumia. Talvez tivesse entendido errado a mensagem. Mas então lembrei de outros detalhes: as chamadas que ela encerrava quando eu entrava no quarto, as saídas cada vez mais frequentes, a atenção redobrada com a aparência.
Foi no terceiro dia que finalmente a vi. Catarina saiu do shopping com sacolas, mas seu comportamento era diferente. Ela olhava em volta como se esperasse alguém ou temesse ser vista. Meu estômago embrulhou quando ela se dirigiu até a fila de táxis.
Sem pensar duas vezes, aproximei o carro. Quando parei na frente dela, Catarina entrou sem sequer olhar para mim.
“Boa tarde,” eu disse, disfarçando a voz. “Pra onde vai?”
Ela deu um endereço num bairro de classe média, longe da nossa mansão em Lisboa.
Enquanto dirigia, eu a observava pelo retrovisor. O trânsito estava pesado, o que me dava tempo para estudar sua expressão. Ela parecia nervosa, checando o celular e arrumando o cabelo. Usava um vestido que eu nunca tinha visto, e as joias também eram diferentes.
“É a primeira vez que vai a esse endereço?”, perguntei, tentando soar apenas curioso.
Ela me olhou no espelho, e pela primeira vez eu vi seus olhos verdes, os mesmos de quando nos conhecemos, mas agora com uma mistura de ansiedade e culpa.
“Não,” ela respondeu suavemente. “Vou lá sempre.”
Foi como um soco no estômago. Aquilo não era algo novo, mas uma rotina. Quanto tempo durava? Como eu não percebera?
“Deve ser um lugar especial,” comentei, tentando manter a conversa casual.
Catarina ficou em silêncio. Por um momento, pensei que não responderia, mas então ela falou:
“Sim. É muito especial.” Sua voz carregava uma emoção que eu não identificava.
“É onde vou ver alguém que significa muito para mim. Alguém que meu marido não conhece.”
Eu apertei o volante com força. Aquela era a confissão que eu temia, mas precisava ouvir.
“Seu marido não sabe dessa pessoa?”
“Não,” ela respondeu, olhando pela janela. “E se descobrisse, acho que o destruiria.”
Suas palavras ecoaram na minha cabeça como sinos fúnebres. Ela tinha razão. Eu me senti destruído. Mas o que mais doía não era só a traição, mas o fato de ela saber o dano que causaria e mesmo assim continuar.
“Por que não conta a ele?”
Ela suspirou, um suspiro que eu conhecia bem—o mesmo que dava quando enfrentava decisões difíceis.
“Ele não entenderia. Meu marido é um homem bom, mas só quer a versão perfeita de mim, a que cabe no mundo de sucesso dele.”
Aquilo me atingiu como um tapa. Era verdade? Eu estava tão focado na imagem da família perfeita que nunca realmente conheci minha esposa?
O bairro onde chegamos era tranquilo, com casas modestas, jardins floridos e ruas arborizadas—um mundo distante dos hotéis de luxo e restaurantes onde eu passava meu tempo.
“É aqui,” disse Catarina, apontando para uma casa simples, de cerca branca, bem cuidada.
Estacionei e olhei discretamente. Quando a porta se abriu, uma senhora idosa saiu—parecia incrivelmente com a Catarina, os mesmos olhos, a mesma postura. Elas se abraçaram com uma afetividade que eu não via em Catarina há anos.
Dentro da casa, uma menina pequena apareceu correndo e pulou nos braços dela, gritando algo que eu não consegui ouvir. Catarina a abraçou com uma intensidade igual à que tinha com nossos filhos.
Eu fiquei paralisado. Isso não era um caso amoroso. Era uma família—uma família que eu não conhecia.
Aquela noite, voltei para casa mais cedo. Catarina estava na cozinha, sorrindo como sempre.
“Chegou cedo,” ela disse, me dando um beijo. “Como foi seu dia?”
Ela mentiu quando perguntei como havia passado o dia. Disse que ficou em casa lendo, almoçou com amigas. A facilidade com que mentiu me doeu.
Durante dias, continuei seguindo ela. Descobri que ajudava sua mãe doente, seu irmão mais novo e uma irmã adolescente—tudo isso em segredo. Usava nosAnos depois, numa pequena casa no bairro onde Catarina cresceu, eu finalmente entendi que amar de verdade não é sobre controlar, mas sobre abraçar até as partes mais inesperadas da vida que escolhemos dividir.