A sala do sétimo andar de um hospital privado em Lisboa estava estranhamente silenciosa. O monitor cardíaco emitia um som ritmado, e a luz branca iluminava o rosto pálido de Beatriz, uma mulher que acabara de ser operada a um tumor na tiroide.
Antes mesmo de despertar por completo da anestesia, Beatriz viu o marido, Rui, parado ao pé da cama, com uma pilha de papéis na mão.
—Já acordaste? Ótimo, assina aqui.
A voz dele era fria, sem um pingo de empatia.
Beatriz ficou confusa:
—O que é isto… que papéis são estes?
Rui empurrou-os para ela com impaciência:
—Papéis de divórcio. Já está tudo tratado. Só precisas de assinar e acabou-se.
Beatriz ficou pasmada. Os lábios tremeram-lhe, a garganta ainda doía da operação, e as palavras custavam a sair. Os olhos encheram-se de dor e perplexidade.
—Isto é uma brincadeira?
—Não estou a brincar. Já te disse que não quero passar a vida com uma mulher frágil e doente. Estou farto de carregar este fardo sozinho. Deixa-me viver de acordo com os meus verdadeiros sentimentos.
Falava com uma tranquilidade insultuosa, como se estivesse a trocar de telemóvel, e não a abandonar a mulher com quem vivera quase dez anos.
Beatriz sorriu, fraco, enquanto as lágrimas lhe escorriam pelo rosto.
—Então… esperaste pelo momento em que eu não me podia mexer, nem reagir… para me obrigares a assinar?
Rui calou-se por instantes, depois confirmou:
—Não me culpes. Isto ia acontecer mais cedo ou mais tarde. Já tenho outra. Ela não quer continuar nas sombras.
Beatriz cerrou os lábios. A dor na garganta não era nada comparada ao que sentia no coração. Mas não gritou, nem chorou alto. Apenas perguntou, suave:
—Onde está a caneta?
Rui ficou surpreendido.
—Vais mesmo assinar?
—Não disseste que isto tinha de acontecer?
Ele entregou-lhe a caneta. Beatriz pegou nela com mãos trémulas e assinou, devagar.
—Pronto. Desejo-te felicidade.
—Obrigado. A casa fica para ti, como combinámos. Adeus.
Rui virou costas e saiu. A porta fechou-se, assustadoramente silenciosa. Mas não passaram três minutos quando se abriu de novo.
Entrou um homem. Era o doutor João, o melhor amigo de Beatriz desde a universidade, que a operara. Trazia na mão o relatório médico e um ramo de cravos brancos.
—A enfermeira disse que o Rui esteve aqui?
Beatriz anuiu, com um sorriso ténue.
—Sim, veio divorciar-se de mim.
—Estás bem?
—Melhor do que nunca.
João sentou-se ao seu lado, pousou as flores na mesa e entregou-lhe, em silêncio, um envelope.
—É uma cópia dos papéis de divórcio que o teu advogado me enviou. Disseste-me que, se o Rui entregasse os papéis primeiro, eu devia dar-to-los para assinares.
Beatriz abriu-o e assinou sem hesitar. Olhou para João, com os olhos mais vivos do que nunca:
—A partir de hoje, não vivo para ninguém. Não tenho de me forçar a ser a “esposa perfeita”, nem fingir que estou bem quando não estou.
—Estou aqui. Não para substituir ninguém, mas para o que precisares.
Beatriz anuiu. Uma lágrima caiu, mas não de tristeza—de alívio.
Uma semana depois, Rui recebeu um correio urgente. Era a sentença de divórcio, devidamente assinada. Junto, vinha um bilhete escrito à mão:
*”Obrigada por escolheres partir, para que eu não precise mais de me agarrar a quem já se foi.
A que ficou para trás não sou eu.
És tu—a perder, para sempre, quem um dia te amou com tudo o que tinha.”*
Naquele momento, Rui percebeu: quem pensava ter controlado a situação era, afinal, o verdadeiro abandonado.